terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

MUTILAÇÃO GENITAL É «UM NEGÓCIO» NA GUINÉ-BISSAU

O presidente de uma associação guineense em Portugal assegura que a mutilação genital a que são sujeitas jovens no seu país é um «autêntico negócio» para quem a executa e acusa responsáveis políticos de fomentarem indirectamente a prática «bárbara».
Ibraima Balde, responsável da Associação Uallado Folai, garante que «as pessoas que fazem isso ganham dinheiro» e «os governantes, popularidade», porque a excisão praticada tradicionalmente nas raparigas e violentamente condenada por organizações humanitárias se insere num ritual com carácter festivo a que políticos acabam por se associar.
«Dão dinheiro, arroz, matam um boi», exemplifica Baldé, referindo-se à forma como diz que, principalmente na província, responsáveis políticos pela governação local se associam à «festa».
Quanto às mulheres idosas que mutilam as pré-adolescentes, o guineense conta que recebem dinheiro dos pais que querem sujeitar as filhas à excisão e também dos que se opõem.
Contou à Lusa que soube de um caso em que os pais conseguiram resgatar a filha antes de ser mutilada, mas tiveram que pagar o equivalente a 30 euros às mulheres que se preparavam para a cortar.
Estimativas indicam que metade das mulheres da Guiné-Bissau foram sujeitas a alguma forma de mutilação genital, que num caso consiste no corte do prepúcio do clitóris e noutro inclui ainda o corte dos pequenos lábios da vagina.
O activista guineense é um ferveroso opositor da prática e vai ser um dos presentes na apresentação do livro «Por nascer mulher...Um outro lado dos Direitos Humanos» que se realiza quarta-feira em Lisboa, no dia internacional da tolerância zero à mutilação genital feminina.
A historiadora Carla Martingo, que fez o mestrado sobre a mutilação genital feminina, tendo visitado a Guiné-Bissau durante a recolha de informação para a sua tese, disse à Lusa que, actualmente, há filhas de guineenses a residir em Portugal que são levadas ao país dos pais nas férias escolares para aí serem sujeitas ao «fanado», como é popularmente designado o «corte».
A questão é um enorme tabu, que a investigadora ilustra com o facto de apenas ter conseguido falar com uma mulher que assumiu ter sido mutilada, mas que agora se opõe frontalmente à pratica, facto que a leva a «dar a cara».
Ibraimo Baldé confirma o silencio que envolve a questão, alegando que entre a população diz-se que «quem falar sobre o segredo do fanado, morre».
O guineense, que veio para Portugal em 1965, quando a Guiné era uma colónia portuguesa, mas volta regularmente ao país, é muçulmano, precisamente a religião dos praticantes da excisão, com os seus defensores admitem chamar-lhe, excluindo por completo que seja uma mutilação.
Retirando qualquer peso religioso à questão, Baldé afirma que costuma argumentar com os defensores da mutilação que «em Meca [uma das principais cidades santas do Islão] ninguém faz 'isso'».
«As mulheres não conseguem explicar» porque as crianças e raparigas devem fazer a excisão, acrescenta.
«Sentem-se mulheres assim porque não sabem a diferença entre o antes e o depois», sustenta, acrescentando que quando iniciaram a vida sexual já tinham sido sujeitas à excisão, que lhes torna a vida sexual num martírio, porque além de perderem o prazer, sofrem dolorosamente durante a relação.
De acordo com a Amnistia Internacional (AI), a mutilação é defendida em culturas que consideram os órgãos femininos impuros e têm de ser purificados, e por isso erradicados. Esta prática permite que somente os homens possam desfrutar o prazer sexual.
Outro argumento usado é o de que melhora a fertilidade e desencoraja a promiscuidade sexual. No entanto, esta prática leva à frigidez das suas vítimas e os seus maridos evitam o relacionamento sexual com as suas esposas, procurando relacionamentos extraconjugais, defende ainda a AI.
Estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS) indicam 140 milhões de mulheres e meninas já foram submetidas à mutilação genital em todo o Mundo, mas principalmente em 28 países de África, Médio Oriente e Ásia, onde predomina a religião muçulmana.
A questão está, no entanto, já presente nos países ocidentais para onde imigraram mulheres que defendem essa tradição, que Ibraimo Balde diz ter 5.000 anos e ter começado no Egipto, à altura dos faraós.
Ainda na perspectiva da OMS, três milhões de crianças e raparigas estão em risco todos os anos de serem sujeitas à mutilação, já proibida em vários países africanos, mas não na Guiné-Bissau.
Diariamente, o risco atinge seis mil jovens, o que dá quatro por minuto, ainda segundo a OMS.